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Oficina de Enganação para Cinema

Caí na besteira de fazer uma pseudo-oficina de "interpretação para cinema", com um diretor de elenco, digamos, filho da puta. Não que eu não goste do cara, longe disso. Como pessoa, é um ser humano da melhor qualidade, não há dúvida. Porém, como "preparador de elenco"... vamos colocar da seguinte forma: o sujeito é conhecido por ser um dos pouquíssimos caras que prega o respeito ao ator, a verdade do ator, o naturalismo da cena e o escambau. Até aí, beleza! Ou seja, ele acredita que durante a cena o ator tem que atingir a 'não-interpretação' e ser o mais natural possível. Desde que ele respire, olhe, pense, sinta e fale exatamente o que o "preparador de elenco" queira, da forma e no tempo que ele quiser! Caramba! Em outras palavras: foda-se o naturalismo. No fim das contas, não há respeito algum.

Desrespeito em nível subatômico - pior do que exigir que cada dupla faça uma cena sem roteiro, sem personagem e sem sentido, o famoso "diretor de elenco" não aceita que o aluno busque em sua MEMÓRIA EMOTIVA os acontecimentos trágicos, traumáticos ou marcantes da vida do próprio aluno, para que os mesmos venham à tona durante a filmagem. Ou seja, se é uma cena de tortura na época da ditadura militar, o maluco vai torturar DE VERDADE o elenco inteiro, durante um dia inteiro (ou mais), incluindo o elenco de apoio, os figurantes, o contra-regra e talvez até o câmera. Tudo em nome da tal "verdade da cena". Ora, é claro que todo mundo tem lembranças de tortura, opressão, repressão, fobia, traumas e derivados em geral, pela própria experiência de VIDA! Como qualquer panguá hoje em dia sabe, nossos pensamentos geram sentimentos que, por fim, geram a ação que transparece para todo mundo ver. Só que no caso desse indivíduo em questão, fico imaginando o seguinte... se ele for preparar um elenco para um filme sobre futebol, provavelmente vai colocar todo mundo para disputar um campeonato da série C, ou então jogar várias partidas reais, com 45 minutos cada tempo, 15 minutos de intervalo, mais prorrogação e juiz ladrão! E se ainda ficar empatado, vai nos pênaltis! É brincadeira...

Se um "preparador de elenco" realmente se preocupasse com a verdade do ator, saberia tranquilamente 'fazer a ponte' entre a lembrança da emoção, a intensidade, e, finalmente, a manifestação física desta emoção no presente, no agora. Somente então poderia trabalhar no sentido de "moldar" a expressão - caso a mesma não tenha atingido a força necessária para uma determinada cena - ou diminuir o grau de violência dela, para deixar o elenco, sei lá, vivo, pelo menos. Só que nada disso acontece. O tesão do cara é mesmo 'ver o pau quebrando'. Um prazer sádico que é compactuado por centenas de falsos-preparadores e falsos-diretores de teatro e de cinema no país. Não é à toa que as interpretações no cinema brasileiro são quase sempre tão falsas e ridículas! Com exceção do "Tropa de Elite", obviamente. Que por sinal também teve uma preparadora de elenco igualmente idiota! Em vez de deixar os caras observarem, estudarem e compreenderem como é fazer parte do Bope de verdade, ela foi lá e mandou todo mundo fazer o mesmo treinamento. Puta que pariu! Só faltou mandar os atores realizarem uma operação de verdade na favela, com fuzis e armamento real, tomando tiro de verdade na fuça. Só podia dar merda.

A pergunta que fica é a seguinte: o que aconteceu com a boa e velha capacidade de OBSERVAÇÃO? Cadê a habilidade de OUVIR, ABSTRAIR, SENTIR o outro sem necessariamente ter de viver a REALIDADE DO OUTRO? Ou será que existe o senso comum de que TODO ATOR É, ANTES DE TUDO, UM 'BOCOIÓ' INCAPAZ DE PENSAR POR CONTA PRÓPRIA? Talvez eu esteja um pouco ainda mais revoltado porque tive a curiosidade de rever o "conteúdo programático" da "oficina", cujos tópicos pelo menos primam pela capacidade de imaginação!

Vejamos alguns itens... verticalidade do processo para fugir de caricaturas e superficialidade, roteiro subjetivo como complementação ao roteiro objetivo, gráfico de emoção do ator, decupagem dramática da sequência: o foco da emoção, descoberta da lógica interna e construção de personagens, relação direta entre movimento da câmera e movimento do ator... e por aí vai!

Claro que escolhi apenas alguns entre dezenas de outros itens 'maluquéticos' que não foram sequer mencionados ou, pior ainda, foram SÓ mencionados ao longo da oficina. É sério!!! E é ÓBVIO que o filho da mãe não me deixou nem começar minha cena, já foi logo berrando um monte de asneiras e parou a filmagem! Ou seja, TODO MUNDO foi filmado durante a porra da oficina, que custou absurdos e estratosféricos 300-e-tantos-reais, menos EU! Porra! Odeio xingar, mas que merda! Talvez tivesse sido melhor entregar os 300-e-tantos-reais para algum estranho no meio da rua berrar frases sem sentido no meu ouvido durante dois dias seguidos... o resultado, na prática, seria o mesmo.

É claro que toda experiência tem seu lado positivo: aprendi que não quero ser um fantoche sem vontade própria, um 'bonequinho sem vida' no meio de um filme, só para satisfazer os delírios de um "preparador de elenco" idiota. Não que eu não goste dele, é bom lembrar. O cara é super gente boa, uma pessoa de muito valor e com quem aprendi valiosas lições para usar para o resto da vida. A principal delas talvez tenha sido a de poder ter simplesmente observado as cenas dos meus colegas de oficina, que me ensinaram a expressar sentimentos de fúria sem necessariamente ter de reduzir a outra pessoa a um amontoado de hematomas, ossos quebrados, lesões e boletins de ocorrência... como sempre acontecia comigo até os meus 20-e-poucos-anos-de-idade...

É... olhando por este lado até que a humilhação e a contusão valeram a Penna.


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