No jogo Assassin´s Creed (Xbox360, PS3, PC), o personagem principal, Altair, é instruído por seu clã a eliminar alguns ‘líderes infiéis’ que ameaçam a hegemonia da igreja, na época das Cruzadas. O jogo mostra algumas brigas internas de poder entre a própria Igreja Católica, a corrupção dos templários e algumas diferenças de opinião que na época eram resolvidas de forma, digamos, bastante ‘definitiva’.
Tentando resgatar sua imagem de ‘soldado devoto’ e recuperar sua honra perante o olhar do seu líder, Altair parte em busca de seus alvos em locais como Jerusalém, Masyaf, Damascus, etc. Entre tantos elementos irresistíveis do jogo, um deles me chamou a atenção. Nas cidades, o contato do nosso “herói”(?) fica sempre localizado em algum ponto clandestino, cujo acesso se dá por uma espécie de “abertura” no teto. Em Jerusalém, o ‘dono’ de tal estabelecimento chama-se Ali Malic, e uma de suas características físicas que logo salta aos olhos é a ausência de um dos braços.
Praticamente no final do jogo, Altair se encontra novamente com Malic, para realizar um último “serviço”, e, para surpresa total do jogador, pede desculpas a ele. Ambos são “irmãos”, membros da mesma seita, porém, durante o evento que levou Altair a questionar a ordem dos seus superiores e revoltar-se contra os princípios de sua religião, ele foi obrigado a se defender de outros soldados que tentaram matá-lo. Durante a fuga e o combate, Altair acaba ocasionando a morte da irmã de Malic e um ferimento durante o conflito faz com que o braço dele, Malic, seja amputado. Não apenas as ‘ferramentas’ de guerra eram totalmente precárias (cimitarras, facas, punhais, espadas, etc.) como também os recursos médicos praticamente inexistiam.
Daí vem o diálogo que considero um dos mais fascinantes (e adultos) entre todos os jogos que já joguei até hoje:
Altair: “Me desculpe, irmão, pela dor que causei à sua família e por ter sido responsável pela perda do seu braço... hoje percebo que nenhum arrependimento e nenhum castigo jamais será suficiente para redimir o sofrimento que lhe causei”.
Malic: “Não aceito suas desculpas, irmão”.
Altair: “...Compreendo. Estou indo embora e...”
Malic: “Não aceito suas desculpas porque você não tem nada pelo que se desculpar. O homem que entrou em meu estabelecimento hoje e está agora, diante de mim, conversando, não é o mesmo que trouxe tanta dor àquelas pessoas, durante o conflito. Não posso desculpá-lo, portanto, por uma coisa que não é culpa sua, exclusivamente. Eu escolhi enfrentá-lo sem nem mesmo tentar entender suas motivações e questionamentos. De certa forma, também tenho parte de culpa pelo que aconteceu”.
Altair: “Mas eu... não posso voltar atrás e nem sequer amenizar a dor que enfrentou, meu amigo”
Malic: “E nem precisa. Como eu falei, você é um homem diferente daquele, Altair. Considero-o, hoje, como um verdadeiro irmão e será sempre uma honra e um privilégio poder ajudá-lo no cumprimento de qualquer uma das suas missões. Agora descanse e faça as pazes com sua consciência. Sua jornada ainda está repleta de obstáculos. Você precisará de todas as suas forças e concentração para superá-los, amigo”.
Depois dizem que videogame é coisa de criança... Desnecessário dizer que ‘caiu um cisco em cada olho’ meu durante esta cena. E que cena!!! Com os olhos embaçados e me identificando com tudo mais do que deveria – apesar de que, até onde eu saiba, nunca matei a irmã de ninguém e nem aleijei ninguém também... eu acho – tive que ponderar acerca do quão forte e absoluto é o preconceito daqueles que se recusam a enxergar a MUDANÇA e o amadurecimento do outro, talvez porque eles próprios se recusaram a querer mudar e amadurecer há muito tempo atrás. Conformar-se com o que somos é sempre a opção mais fácil; encontrar justificativas racionais para atitudes passionais também é relativamente simples. Pena que nenhuma destas medidas seja capaz de nos deixar ‘fazer as pazes’ com a nossa consciência. Estou me referindo, obviamente, àqueles que ainda têm uma.
De certa forma, para quem viveu a maior parte da vida em um processo auto-infligido de ‘encarceramento’, a convivência em sociedade é muito semelhante à de um ex-presidiário. Por mais que ele tenha ‘aprendido a lição’ e esteja disposto a se redimir pelos erros do passado, por mais que ele tente se adequar aos padrões, essa mesma sociedade é a primeira a dar o pontapé inicial em um processo retroativo de humilhação, questionamento, ridicularização, restrições, vigilância, cerceamento, controle, etc. Ele sente – e aí eu posso falar por experiência própria – como se ainda estivesse sob o jugo do regime carcerário, só que em um novo ambiente repleto de regras e limites que lhe são estranhos, e ninguém tem paciência ou tolerância suficiente para explicar a ele como “as coisas funcionam”.
Sua voz não é ouvida, sua mera presença já coloca todos à sua volta em “estado de alerta máximo” e todos ainda tentam agir (ou fingir) que está tudo bem... tudo “sob controle”. Fico imaginando o que aconteceria se alguns ex-presidiários tomassem conhecimento do que é a comédia stand-up. Muitos tiveram que olhar o próprio sofrimento com bom-humor para não se entregaram à loucura. Ou, pior, a alguma solução “mais definitiva”, como era comum nos tempos do nosso amigo Altair.
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